09 de setembro de 2021

Juiz Federal indefere ação do MPF em Mossoró contra União pelos atos o ex-juiz Sérgio Moro


Juiz Federal da 10ª Vara, Lauro Henrique Lobo Bandeira, indeferiu a ação impetrada pelo MPF em Mossoró, considerando a inadequação da ação civil pública para processar União pela erosão constitucional causada, segundo os autores da ação, pela Operação Lava Jato, em Curitiba. “Bem analisada a inicial, cabe ressaltar de logo a inadequação da presente ação civil pública para os propósitos a que propõe, como se passa a expor”, inicia o juiz federal em sua sentença.

Abaixo a íntegra de decisão judicial:

“Nos termos da Lei 7.347/1985, é possível o ajuizamento de ação civil pública buscando a responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a qualquer outro interesse difuso ou coletivo (art. 1º, IV), podendo ter como objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer (art. 3º). E, para além da pretensão condenatória, é igualmente possível deduzir no âmbito da ação civil pública pretensão de cunho desconstitutivo, cominatório ou meramente declaratório para a tutela de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, por força do disposto no art. 83 do CDC c/c art. 21 da Lei 7.347/1985.

Na presente ação civil pública, começa-se questionando a atuação do então Juiz Federal Sérgio Fernando Moro na condução de denominada Operação Lava Jato, e suas implicações no regime democrático brasileiro.

Segundo o MPF, o referido magistrado teria atuado de modo parcial e inquisitivo, em clara violação ao sistema acusatório, e com propósitos nitidamente antidemocráticos, havendo demonstrado interesse político de influenciar o impeachment de 2016 e, sobretudo, as eleições presidenciais de 2018.

Por entender profundamente violado o regime democrático a partir de tais condutas do ex-juiz federal, pretende o autor da ação que a União seja obrigada (condenada) a promover a educação cívica de magistrados e membros do Ministério Público no âmbito de suas respectivas escolas nacionais de formação (ENFAM e ESMPU), a fim de que possam ser bem qualificados para atuarem em prol da proteção do regime democrático e com respeito ao sistema acusatório.

O argumento é de que os cursos de formação, inicial e continuado, de magistrados e membros do Ministério Público seriam deficitários na abordagem de temas tais como o da democracia militante e erosão constitucional, importantes para conter o avanço de novas formas de autoritarismo de tipo fascista e populista. A omissão na abordagem de tais temáticas importaria em violação ao disposto no art. 37, II, da Constituição Federal, pois juízes e procuradores não contariam com preparo intelectual exigido pela natureza e complexidade do cargo ocupado.

Como se pode observar, o pedido formulado nesta ação não busca qualquer indenização, reparação ou restauração efetiva da pretensa ordem jurídica violada; o escopo é outro, qual seja, o de instrumentar intelectualmente juízes e procuradores com temas que parecem caro ao proponente da ação e que, sob sua ótica, serviriam para prevenir a prática de novas posturas ministeriais e judiciais atentatórias ao regime democrático.

Na realidade, a pretensão ministerial é no sentido de ditar o conteúdo programático a ser observado pelas escolas de formação (ENFAM e ESMPU), com a finalidade de promover a melhor qualificação profissional de juízes e promotores para a salvaguarda da democracia, intuito esse um tanto quanto pretensioso, pois parte do pressuposto de que magistrados e procuradores, de modo geral, não teriam formação cívica suficiente ou capacidade profissional suficiente para bem desempenhar suas funções e atuar em defesa do regime democrático.

Esse pressuposto resta bastante evidenciado nas seguintes passagens da inicial: ” quando juízes têm se deparado com demandas envolvendo tarefas típicas da democracia militante, muitas vezes não conseguem perceber que o Brasil não vive mais na democracia prevista na Constituição de 1988, mas sim num regime autoritário de tipo populista, às vezes quase fascista”; (…) “há perigo da demora, tendo em vista que a falta de profissionalização de tais agentes para a proteção da democracia causa dano que se renova a cada instante “.

Ademais, a conclusão do MPF de que a falta de profissionalização de juízes e procuradores para a proteção da democracia parte de uma generalização indevida, o que demonstra, de certo modo, um descompasso entre as premissas invocadas na inicial e o pedido ali formulado.

Com efeito, na esteira do que já foi relatado, o MPF aduz, basicamente, que o então Juiz Sérgio Moro, no exercício de suas jurisdicionais, teria atuado politicamente, seja interferindo no impeachment de 2016, seja influenciando nas eleições presidenciais de 2018, atuando, ainda, de modo parcial na condução da Lava Jato, condutas essas que teriam impactado na democracia brasileira.

A partir da atuação de um único agente, cujo acerto ou desacerto de seus atos não cabe neste momento valorar, o MPF potencializa a possibilidade de que condutas semelhantes possam vir a ser praticadas por outros magistrados. Assim, para se dificultar o surgimento de “juízes populistas” e para ” prevenir novas posturas ministeriais e judiciais atentatórias ao regime democrático, como efetivadas pelo então juiz Sérgio Moro e pelo MPF em Curitiba “, apregoa como necessário o aprimoramento da formação educacional dos membros das carreiras da Magistratura e do Ministério Público.

E como forma de demonstrar que o Poder Judiciário já estaria sofrendo de visão míope acerca do atual quadro político-institucional e democrático brasileiro, o MPF cita apenas duas decisões esparsas – uma delas proferido por este juízo em ação que se negou pedido de indenização por dano moral coletivo por fala atribuída ao então Ministro da Educação, Arthur Weintraub -, e manifestações do Procurador Geral da República, o que serve apenas para evidenciar a não conformidade do MPF com o resultado dos pleitos ali formulados.

Assim, não se justifica o ajuizamento desta ação com o propósito de obrigar a ENFAM e a ESMPU a reformularem o conteúdo programático de seus cursos de preparação, para atender expectativa do MPF quanto a necessidade de vocacionar juízes e procuradores a assimilarem certos temas de natureza constitucional e político que lhe parece relevantes.
Por outro lado, nada impede que o MPF oficie às referidas escolas de formação, sugerindo a realização de cursos, pesquisas, congressos, conferências, seminários, palestras, encontros e outros eventos técnicos, científicos e culturais periódicos, abordando os temas que indica na inicial, cabendo às referidas escolas, dentro das competências que lhe são próprias, analisar a pertinência e importância das temáticas propostas.

O que não se mostra possível é o MPF valer-se de ação judicial para fins de tornar obrigatório o estudo de determinados temas por de juízes e procuradores, a pretexto de ser imprescindível à proteção do regime democrático, para que tais profissionais necessariamente observem tais marcos teóricos em suas decisões ou pareceres, pretensão essa que, em última medida, visa modelar a forma de atuação de tais agentes públicos, imiscuindo-se, assim, em sua independência funcional.

Logo, restando demonstrada a inadequação da presente ação civil pública, é o caso de indeferimento de sua inicial”.

Foto: Divulgação

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