02 de maio de 2023

Informalidade e maior tempo de contribuição dificultam aposentadoria



Maria de Lourdes do Carmo, de 50 anos, hoje precisa pagar alguém para preparar a barraca em que trabalha, no centro do Rio de Janeiro. Carregar peso faz parte de seu dia a dia há 27 anos, mas o manuseio dos ferros que estruturam sua loja de roupas na calçada já é pesado demais.

Ela suporta uma rotina que inclui viajar para São Paulo e comprar as mercadorias, trazê-las de ônibus, guardá-las em depósito e vendê-las na rua, sob chuva, sol ou vento. Até quando vai fazer isso, ela não sabe. Trabalhadora informal, Maria dos Camelôs, como é conhecida, só contribuiu para a previdência social nos poucos anos em que manteve em dia seu cadastro como microempreendedora individual (MEI).

“Eu acredito que minha aposentadoria vai ser os meus filhos. Acredito que vou ficar velhinha e eles vão tomar conta de mim. Não acredito que vou me aposentar”, reconhece ela, que começou a trabalhar com 12 anos, como empregada doméstica, somando 35 anos de trabalho ininterrupto com o tempo de camelô.

Se continuar até os 62, idade mínima para as mulheres se aposentarem, ela terá trabalhado 47 anos. “É muito raro um camelô se aposentar. E é um serviço muito cansativo. A gente não tem banheiro, nem horário para comer. A gente fica exposto ao sol, e essa coisa de perder mercadoria para a Guarda Municipal deixa a gente estressado, com pressão alta, problemas de coração. Então, a gente vai sofrer de um monte de coisas. A gente envelhece mais rápido”.

Mobilização

A preocupação com o futuro está entre as motivações da mobilização liderada por Maria de Lourdes, que coordena o Movimento Unido dos Camelôs (Muca) no Rio de Janeiro e integra o Movimento dos Trabalhadores Sem Direitos. Ela afirma que muitos camelôs adquiriram dívidas a partir da adesão ao MEI, e agora voltaram a ficar totalmente descobertos e sem contribuir com a previdência. 

“Várias pessoas estavam pagando o MEI e, quando chegou a pandemia, pararam de pagar, porque não estavam recebendo nada. E as pessoas que ficaram doentes não tiveram direito a nada, porque tinham interrompido o pagamento. Muitas pessoas ficaram com dívidas e não conseguiram sanar essa dívida. A gente pede que o governo rediscuta isso, porque essa coisa do microempreendedor individual é um engodo. As pessoas acham que vão resolver as coisas no individualismo. Elas acham que são empresários, mas não são”. 

A camelô e outras companheiras da categoria se acorrentaram ao portão da Câmara Municipal do Rio de Janeiro na última quarta-feira (27) com uma pauta extensa, que inclui o fim da violência contra os ambulantes irregulares e mais diálogo com a prefeitura. Um protesto foi organizado para reivindicar visibilidade e direitos para os trabalhadores, e alguns dos cartazes levados evidenciavam o teor da manifestação. “Meu trabalho informal importa”, dizia um.

Benefícios menores

Assim como Maria de Lourdes, 38 milhões de brasileiros são considerados trabalhadores informais pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por não terem vínculos empregatícios nem trabalharem por conta própria como autônomos, pessoas jurídicas ou microempreendedores. Esse número é maior que toda a população da Região Sul e também que os 36 milhões de empregados do setor privado com carteira assinada e que os 12 milhões de empregados do setor público. Esses trabalhadores podem contribuir para a previdência de forma autônoma, com alíquotas de 11% a 20%, mas necessidades mais urgentes, muitas vezes, impedem que reste algum dinheiro para o futuro, explica a diretora técnica adjunta do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Patrícia Pelatieri. Com exigências mais rígidas e mudanças de cálculo impostas pela Reforma da Previdência, benefícios menores ou aposentadoria alguma os aguardam na velhice.

“As regras de aposentadoria no Brasil já eram muito severas, considerando a estrutura de mercado de trabalho que a gente tem. Elas já exigiam um mínimo de contribuição de 15 anos, uma regra muito difícil para um mercado de trabalho com rotatividade muito alta, com desemprego de longa duração e em que a grande maioria dos trabalhadores têm baixa permanência nos empregos formais, e isso quando têm trabalho formal. É só uma parcela pequena dos trabalhadores que têm uma carreira de 20 ou 30 anos que permite uma contribuição permanente”, destacou Patrícia Pelatieri.

O Dieese estima que, contando com períodos de desemprego e informalidade, o trabalhador brasileiro leva cerca de 25 anos para somar 15 anos de contribuição. Com o aumento da contribuição mínima, para homens, para 20 anos, associada à idade mínima de 65 anos, a concessão do benefício ficou ainda mais distante. E, mesmo chegando a esse somatório, a nova fórmula de cálculo reserva ao aposentado um benefício até 20% menor. Patrícia Pelatieri explica que essa perda ocorre mesmo que a pessoa some os 40 anos de contribuição, no caso do homem, ou 35, no caso da mulher, necessários para ter direito ao benefício completo que caberá ao seu histórico de contribuição. No caso de quem está coberto pelas regras de transição, o pedágio de 100% também não evita essa perda. 

“Antes, a regra considerava 80% dos maiores salários de contribuição para calcular o benefício, e você tirava os salários menores da conta. Com a reforma, agora é pra considerar todo o período na média, incluindo os menores salários”, resume. 

Se as mudanças impactaram os trabalhadores formais, que terão os piores salários de suas carreiras contabilizados no cálculo da aposentadoria, elas dificultam ainda mais para os informais, afirma Patrícia. E essas exigências mais rígidas começaram a ser implementadas em um cenário de crise econômica e sanitária, em que o desemprego e a informalidade cresceram. Além disso, as relações de trabalho precárias se multiplicaram com a ampliação e criação de mecanismos como a terceirização, a pejotização e o trabalho intermitente, acrescenta ela.

“O que estamos olhando é que, daqui a 20 anos, se nada for feito, teremos uma parcela de quase metade da população economicamente ativa em idade avançada e sem nenhuma possibilidade de se aposentar”, afirma a diretora do Dieese, que prevê impactos para todas as faixas etárias. “Essas pessoas estarão concorrendo com os mais jovens que estão ingressando no mercado de trabalho. Haverá uma pressão em busca de vagas, uma disputa entre uma maior escolaridade e uma maior experiência, rebaixando muito os salários. Vai ter gente aceitando, muito possivelmente, os postos de trabalho por salários muito menores. Isso impacta toda a economia, porque nossos salários já são muito baixos. Um país de renda mais baixa consome menos, tem menor produção e menor capacidade arrecadatória. É um país que tende a empobrecer no futuro”. 

Agência Brasil

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