19 de abril de 2021

‘Não foi uma absolvição’, diz Gilmar Mendes sobre caso de Lula


O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, avalia que a Operação Lava Jato provocou um “colapso” no Judiciário, atingindo da primeira instância até o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em entrevista ao EstadãoGilmar disse que essas instâncias sucumbiram a “pressões políticas” da força-tarefa que comandou a operação em Curitiba. “O STJ não cumpriu adequadamente seu papel”, afirmou.

Expoente da ala garantista, Gilmar admite que a correção de rumos imposta pelo STF coincide com o momento em que a Lava Jato caiu em desgraça, mas afirma que isso se deve à “estrutura hierárquica do Judiciário”, na qual o Supremo é o último a se manifestar.

O ministro ressalta que o Supremo anulou as condenações contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por questões meramente processuais, ao concluir que os casos não deveriam ter ficado em Curitiba. O STF não entrou no mérito se o petista cometeu corrupção passiva e lavagem de dinheiro. “Não foi uma absolvição”, observou.

Confira abaixo parte da entrevista.

Anular as condenações impostas pela Lava Jato ao ex-presidente Lula legitima o discurso do PT de que ele não praticou corrupção?

Não. O que o tribunal está mandando é para o juiz competente processar e julgar as denúncias. É isso. Não foi uma absolvição. Claro que cancela as condenações, mas manda que o juiz competente prossiga no seu julgamento.

Lula ainda tem um novo encontro marcado com a Justiça?

Com certeza. Você viu que surgiu a dúvida sobre a vara competente –  São Paulo ou Distrito Federal. Definida a competência (na próxima quinta-feira, quando o julgamento for retomado no STF), essa vara vai prosseguir (com os trabalhos).

O senhor vê espaço para o plenário do STF dar uma reviravolta na suspeição do Moro ou isso é uma questão já encerrada?

Essa questão está resolvida. Porque, de fato, nós julgamos o habeas corpus (da suspeição de Moro na Segunda Turma). Nós temos que ser rigorosos com as regras processuais. Não podemos fazer casuísmo com o processo, por se tratar de A ou de B. O que é curioso é que eu propus que a matéria fosse afetada ao plenário, na época, em 2018 no início do julgamento. E por três a dois a minha posição ficou vencida. E, agora, a decisão foi tomada. (O relator da Lava Jato, Edson Fachin, no entanto, vai levar a discussão para o plenário na próxima semana).

O julgamento de Lula pode provocar um efeito cascata e beneficiar outros réus?

Não vejo assim. O caso do Lula, no que diz respeito à suspeição, é muito delimitado. É uma situação muito personalista mesmo.

Lula foi condenado, ficou 580 dias preso, acabou afastado da disputa eleitoral de 2018 e apenas na última quinta-feira o plenário do STF decidiu que Curitiba não tinha competência para julgá-lo. O Supremo dormiu no ponto?

Acho que não. Na verdade, o processo judicial como um todo é muito complexo. E ele segue toda essa escala: o juiz de primeiro grau; o tribunal intermediário, no caso deles, o TRF-4; o STJ; e o Supremo. Desde 2015, o STF vem afirmando que a competência de Curitiba não é universal. Talvez o STJ fosse o locus mais adequado para fazer essa revisão. Isso chamou a atenção do ministro Fachin, mas esse habeas corpus (contestando a competência de Curitiba) estava com ele desde novembro de 2020.

Cabe indenização ao ex-presidente, por danos morais?

Não sei se ele vai fazer, mas é uma questão a ser considerada.

Como explicar para a sociedade que o Judiciário cometeu um erro que acabou levando à prisão de uma pessoa?

Isso é fruto, primeiro, dessa estrutura hierárquica do Judiciário. O Supremo só fala por último. Essa questão só, de fato, aportou no Supremo, no caso do Lula, em novembro. Agora, o Supremo, em tese, em outras teses, no caso do “quadrilhão do MDB”, já tinha decisão. O caso da Gleisi (Hoffmann, presidente nacional do PT) e do Paulo Bernardo é um antecedente, de 2015, e ali, se assentaram balizas muito interessantes. Dizendo, por exemplo, que não bastava que um delator informasse vários fatos para justificar a competência de Curitiba. Quer dizer, o mesmo delator poderia ensejar fatos com competências diversas.

Por que as instâncias inferiores não foram na mesma linha?

Havia um pouco de ambiente de mídia opressiva. Uma ânsia de decidir rapidamente. E decidir de acordo com aquilo que a Lava Jato tinha estabelecido. Se nós formos olhar, havia uma certa opressão dos tribunais que eram suscetíveis de serem oprimidos. O STJ, nesse período, também foi submetido a uma pressão político-judicial. Uma perseguição judicial. Por conta daqueles episódios ligados à nomeação do Marcelo Navarro (alvo de acusação feita na delação premiada do ex-senador Delcídio do Amaral). Disso resultou-se em um processo, inquérito, contra o presidente do STJ, ministro Falcão e contra o Marcelo Navarro. O tribunal, ele próprio, perdeu a ossatura. Ele não cumpriu, adequadamente, o seu papel.

Estadão Conteúdo

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