15 de agosto de 2018

A missão do advogado


Por: Erick Wilson Pereira – Advogado – Tribuna do Norte – 15.08.2018

O advogado, no contexto que ora vivemos, está cotidianamente sujeito a dilemas de natureza ética e política que impõem a urgência do enfrentamento. Situação nem sempre travada a contento, quer do ponto de vista pessoal, quer sob o julgamento da sociedade.

O passado que elevou a categoria profissional a baluarte nas lutas pela salvaguarda dos direitos e garantias dos brasileiros – além de tradicional eleito para defensor do estado democrático de direito, da cidadania, da Justiça e da paz social, também lhe cabe a defesa da moralidade pública e voz ativa em cenários conturbados –, hoje mais implica em fardo de responsabilidades e acúmulo de decepções.

O exercício do múnus público de forma digna e ampla tem se tornado dia a dia mais penoso com as contumazes supressões do necessário equilíbrio constitucional entre o Estado-acusador e a defesa. Autoridades com poderes investigativos e com grande suporte da opinião pública subvertem a ordem jurídica e desbordam das suas atribuições para transformar advogados em investigados mediante incursões sobre o direito de defesa, a confidencialidade da relação cliente-advogado, inclusive quanto a origem de honorários advocatícios em casos de efetiva prestação do serviço.

Fins nobres que justificam, a ferro e fogo, o uso de meios cerceadores do direito de defesa. Assim é que defensores, ainda que não propensos a ultrapassar os limites que separam o legal e o justo do ilícito, têm seus escritórios invadidos, correspondência e sigilo quebrados, segredos profissionais devassados, prerrogativas aviltadas. Não surpreende que, em tal contexto dialógico hostil e de relativização da ordem normativa, a imagem pública do advogado tenha seus traços confundidos com os dos seus clientes, atraindo pechas insultuosas, a desconfiança e a ira de parcelas influentes. Sobretudo, quando esta parcela demonstra imaturidade diante de tanta responsabilidade na tomada de escolhas investigativas.

Em tempos de instabilidade institucional e de pletora de investigações, intimidações, delações, prisões e teorias de conspiração, as posturas contramajoritárias – não são apanágio dos advogados – são confundidas com subserviência e condescendência com o crime e interesses corporativos. Hoje, ser contra a maioria exige mais que coragem, por uma questão de coesão social. É preciso homenagear a prudência, a moral, a ética, o conhecimento e até mesmo a sorte. Carreiras promissoras são destruídas em razão de escolhas que sacrificam as normas éticas e profissionais mais elementares. Se é certo que a função do advogado é defender o cliente, não é certo que tal defesa deva se processar a qualquer custo – não se trata de meros ossos do ofício, mas riscos inerentes às escolhas dilemáticas, que não são poucos.

Em narrativa alegórica que aprecio reproduzir, especialmente para estudantes com ardor idealista, recordo que nas escaladas profissionais, assim como no alpinismo e em quase tudo na vida, não basta alcançar o píncaro – é preciso retornar sem grandes sequelas, cabeça erguida, de modo a ter ainda reservas para empreender novas missões em direção a este ou a outros cumes. A empreitada exige humildade, aceitação dos próprios limites, obediência às normas, boa avaliação dos contextos, solidariedade com os companheiros de escalada, ações efetivas em face de ameaças ou violação das prerrogativas dos membros. Tais virtudes nos forçam a olhar para a base da montanha, íngreme ou de dificuldade modesta, e constatar que, embora humanos e limitados, podemos resistir aos percalços e intempéries e, sobretudo, aos demônios da consciência.

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