13 de dezembro de 2021

União Brasil vira o partido mais desejado pelos candidatos da terceira via


A fusão anunciada recentemente entre o DEM e o PSL fará nascer um partido cheio de atributos interessantes para as estratégias das campanhas eleitorais à Presidência da República em 2022. Batizada de União Brasil, a junção vai fazer surgir a maior bancada da Câmara dos Deputados, o que significará uma receita de quase meio bilhão de reais — entre os recursos dos fundos partidário e eleitoral —, um sexto do tempo do horário eleitoral no rádio e na TV (enquanto o restante do tempo será dividido por outras 25 siglas) e uma capilaridade suficiente para garantir palanques em todos os estados. Para coroar, a nova agremiação não tem nenhum candidato competitivo à Presidência, e pouca perspectiva de ter, embora o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM) siga colocando o nome à disposição.

Dessa forma, o União Brasil é uma noiva política com um dote invejável, influência nacional e que ainda não encontrou o príncipe encantado para levá-la ao altar. Diante de tantos atributos, uma aliança com a futura legenda passou a ser o sonho de todas as candidaturas que tentam se consolidar como a principal alternativa ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao presidente Jair Bolsonaro, hoje os favoritos na corrida ao Planalto. O interesse pela noiva aumentou após a confirmação nos últimos dias de duas candidaturas competitivas no centro, de Sérgio Moro (Podemos) e de João Doria (PSDB), e agravou o sentido de urgência nas articulações para ganhar espaço na congestionada raia da terceira via.

Cada um desses pretendentes conta com os seus cupidos para tentar fisgar a noiva. Os integrantes do PSL de São Paulo, por exemplo, têm incentivado as conversas entre o futuro presidente do União Brasil, o deputado federal Luciano Bivar (PSL-PE), e integrantes do Podemos, em especial a deputada Renata Abreu, presidente da sigla, em um movimento a favor de Moro. Segundo aliados, Bivar teria de fato uma preferência pelo ex-juiz, mas tem deixado as demais portas abertas. Nesta semana, o dono do caixa mais gordo na campanha eleitoral de 2022 esteve na cerimônia que lançou a senadora Simone Tebet como pré-candidata pelo MDB ao lado de outras lideranças políticas, como o presidente do PSDB, Bruno Araújo, com quem mantém conversas. Também há quem lance mão de afinidades familiares, digamos assim, como o candidato tucano, João Doria, que escalou para a articulação com o União Brasil o vice-governador Rodrigo Garcia. Ex-integrante do DEM, Garcia migrou há poucos meses para o PSDB e ainda tem influência no diretório regional da legenda. Candidato à sucessão de Doria ao governo paulista, ele também conta com o apoio do União Brasil em sua campanha estadual. Correndo por fora, o presidente do PDT, Carlos Lupi, tenta se aproximar da ala baiana do DEM, por meio de conversas com o prefeito de Salvador, Bruno Reis (DEM), aliado de ACM Neto, hoje o principal cacique do Democratas, na esperança de conquistar apoio ao nome de Ciro Gomes.

Por enquanto, o União Brasil se faz de noiva difícil. A decisão de apoiar um projeto eleitoral majoritário nacional não só está indefinida, como deverá continuar assim ao menos até alguma dessas candidaturas de centro se destacar. Ela só terá o apoio formal se não se contrapuser ao verdadeiro projeto do novo gigante partidário: crescer ainda mais. O tamanho que a legenda assumiu é fruto, principalmente, da boa — e surpreendente — performance na eleição para a Câmara em 2018. Na onda bolsonarista que varreu o país, o PSL elegeu 52 deputados, a segunda maior bancada da Casa, o que lhe garantiu o graúdo quinhão que tem atualmente na distribuição de financiamento público para a eleição. Mesmo sem Bolsonaro, agora adversário, a ideia é melhorar o desempenho em relação à última disputa. A legenda trabalha para garantir a eleição de uma bancada com pelo menos setenta cadeiras. Hoje, somados, DEM e PSL teriam oitenta assentos na Câmara, mas espera-se que até quinze integrantes do PSL, todos bolsonaristas, deixem o partido e migrem para o PL, sigla à qual o presidente se filiou.

Devido ao foco absoluto no crescimento da bancada, enquanto flerta com os pretendentes da terceira via que desejam um relacionamento sério de olho no Palácio do Planalto, uma tese em crescimento dentro do União Brasil é a de propor uma espécie de casamento aberto. O partido só vai apoiar uma candidatura à Presidência desde que ela não interfira na dinâmica de cada estado, forjada de acordo com o projeto prioritário (crescer o número de congressistas). Em São Paulo, por exemplo, o partido certamente apoiará a campanha de Rodrigo Garcia para o Palácio dos Bandeirantes, mas isso não está certo em relação à postulação de Doria à Presidência. Na Bahia, levantamento do instituto Paraná Pesquisas, que repercutiu no DEM, apontou que as intenções de voto em ACM Neto para o governo caem para 36,6% no cenário em que ele é anunciado ao entrevistado como aliado a Sergio Moro — quando é apresentado sem padrinhos, ele chega a pontuar 56,2% das intenções de voto.

A aposta em correr de forma quase independente da disputa nacional se explica em parte pelas características políticas do país. No sistema multipartidário brasileiro, legendas de centro, sem bandeiras programáticas muito claras, têm estímulos indiretos para não lançar candidatura própria, e sim focar no aumento do tamanho de suas próprias bancadas. Se agem assim, além de acesso a parcelas maiores de receitas e tempo de TV, ganham mais musculatura para futuramente compor alianças com os governantes eleitos — seja nos governos estaduais, seja na Presidência da República. Para o cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getulio Vargas, a estratégia do União Brasil é correta diante de seus objetivos eleitorais. “Se a legenda lançar um candidato ao Palácio do Planalto e perder, uma aproximação futura pode até ocorrer, mas teria mais ônus”, completa o especialista.

Outro fator que dificulta neste momento uma aliança firme no campo nacional com o União Brasil é o processo de fusão entre o DEM e PSL, que ainda está em andamento e precisa ser avalizado pela Justiça Eleitoral em fevereiro. As dificuldades são maiores do que o esperado. Embora a figura de Luciano Bivar desponte como a do presidente do União Brasil, com seu braço direito Antonio Rueda como vice e ACM Neto no posto de secretário-geral, o partido ainda tem muitos caciques regionais que terão de se acomodar sob o mesmo teto na casa nova. No caso do DEM, há figuras como Davi Alcolumbre, Heráclito Fortes, o ex-ministro da Educação Mendonça Filho, e os governadores Ronaldo Caiado (GO) e Mauro Mendes (MT), que precisam ter seus interesses contemplados no complexo processo de construção de uma unidade. O DEM conta ainda com 464 prefeituras pelo país, e os interesses locais dos prefeitos têm peso na costura das candidaturas para deputados estaduais e federais, o que é mais um fator que embaralha a criação de um nome de consenso na esfera nacional.

No caso do PSL, as distâncias internas são ainda maiores para a formação de algum consenso, uma vez que os filiados eleitos para os cargos públicos foram, em geral, “novatos” da política que, na onda bolsonarista, chegaram ao Congresso com bandeiras temáticas, sem vínculos anteriores com o status quo político. Ou seja, de certa forma, cada um à sua maneira, são lobos solitários da política. A sigla conta ainda com noventa prefeituras, o que sugere menos força nos debates internos com os colegas do DEM para a construção das listas de candidatos de cada estado. Dessa forma, o tamanho do dote do cobiçado União Brasil é proporcional aos desejos e caprichos de uma noiva para lá de exigente — e complicada.

Publicado em VEJA de 15 de dezembro de 2021, edição nº 2768

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