20 de fevereiro de 2016

Audiência de custódia vem no momento de obsessão punitiva, diz palestrante


As audiências de custódia representam um instrumento que se contrapõe à cultura de encarceramento em massa vigente no país. Segundo a especialista em criminologia Vera Malaguti, ao apresentar toda pessoa que é presa a um juiz para avaliar se ela precisa seguir detida enquanto não é julgada, as audiências de custódia evitam que a população carcerária brasileira aumente ainda mais (atualmente o Brasil é o quarto país com mais detentos no planeta). Implantadas em 2015 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em todos os estados do país, as audiências de custódia serão o tema do 2º Fórum Nacional de Alternativas Penais (Fonape), que ocorrerá na próxima semana (de 24 a 27 de fevereiro), em Salvador (BA), e terá a professora Vera Malaguti como uma das palestrantes.

“O principal objetivo da minha fala no Fonape será interpretar a maneira como o Brasil ampliou a pena de prisão avassaladoramente nos últimos 20 anos, alcançando um dos maiores índices de crescimento da taxa de encarceramento no mundo. O resultado é que hoje o Brasil ‘disputa’ o terceiro lugar no ranking dos países de maior população carcerária. Nas audiências de custódia, o preso tem acesso direto a um juiz, que atua como guardião da Constituição Federal e dos direitos humanos. Será um contraponto à operatividade truculenta dos agentes de segurança pública do Brasil”, afirma a pesquisadora do Grupo Epos – Genealogia, Subjetivações e Violências, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

De acordo com a professora, que estuda há 20 anos a história da criminologia, as audiências de custódia surgem no país em um momento de “obsessão punitiva” e “fé generalizada na prisão como solução para o problema da violência”. Os fenômenos são repercussões de uma sociedade que transformou, ao longo da história, a barbárie em coisa normal. “O Brasil foi construído sobre a destruição dos povos originários (indígenas) e a primeira prisão brasileira era composta de 95% de escravos ou africanos. Até hoje não fugimos dessa matriz no sistema prisional. O chamado ‘grande encarceramento’ segue extremamente seletivo e virou uma espécie de paisagem natural’”, diz a doutora em sociologia da UERJ.

Influência da TV – Segundo a professora, os meios de comunicação contribuem para que o senso comum confie em meios violentos para resolver o problema da violência. “Nas audiências de custódia, as garantias do preso são evocadas imediatamente, mas estamos em um ambiente cultural em que esses direitos do preso são vistos como privilégio. Esses programas policialescos da televisão promovem uma adesão subjetiva à barbárie e à truculência, sem falar de modos mais sofisticados de destilação desses discursos da mídia que não contribuem para encontrarmos alternativas eficazes à violência no país”, afirma a professora Vera Malaguti.

Outro fator que contribui para a expansão da cultura do encarceramento é a ignorância da maioria da sociedade sobre a realidade das prisões brasileiras, segundo a professora. “Essa obsessão punitiva ocorre sem que a grande imprensa informe sobre como acontece a execução penal no Brasil. Falta uma visão crítica sobre os efeitos do encarceramento nas pessoas e o impacto disso na população”, diz a estudiosa.

A palestra “A questão criminal no Brasil contemporâneo”, da professora Vera Malaguti, está marcada para as 18 horas de quinta-feira (25/2), segundo dia do 2º Fórum Nacional de Alternativas Penais (Fonape), que na sede do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), em Salvador (BA).

Acesse aqui a programação do 2º Fonape

Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias

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