18 de junho de 2020

[ARTIGO] A Recuperação Judicial para empresas no cenário potiguar em tempos de COVID-19


 

Por Kaleb Freire e Yago Nunes. Advogados.

 

  1. Considerações iniciais

 

Não é de hoje que a atual conjectura do mercado potiguar apresenta sinais preocupantes. Nos últimos meses, o cenário de crise foi potencializada devido à proliferação da COVID-19, que forçou todos os entes federativos a tomarem medidas rigorosas para o combate à pandemia, como a restrição de circulação de pessoas, bens e serviços; fato este que, inevitavelmente, está impactando negativamente no cenário econômico potiguar.

Apesar das várias medidas adotadas nos âmbitos municipal, estadual e federal; como por exemplo, a elaboração em larga escala de medidas provisórias para amenizar os impactos desta pandemia para as empresas; provavelmente tais medidas não serão suficientes para recuperar, integralmente, a saúde financeira de muitas empresas, que são células fundamentais na nossa economia.

Geralmente, em que pese à liberdade de negociação entre devedores e credores, tais partes podem não chegar a um consenso. Quando não houver possibilidade de negociação, o direito brasileiro admite a utilização do “Cram Down”, que traduzido ao pé da letra, significa “goela abaixo”. Ou seja, em determinadas situações, os credores são obrigados judicialmente a aceitar as condições de pagamento das obrigações dos devedores, visando a preservação e continuidade da atividade empresarial, em face de sua importância.

Foi justamente pensando nos momentos de crise econômicas que a Lei 11.101/2005 aflorou no direito brasileiro o instituto da “recuperação judicial”. Este instituto tem a finalidade de ajudar as empresas a superarem crises econômico-financeiras, preservando não só a empresa em crise, mas toda a função social que a empresa exerce, como a manutenção de empregos, geração de tributos e circulação ou produção de bens e serviços, funções essenciais em uma economia sustentável.

No que concerne à função geradora de empregos, trata-se de contribuição da empresa para garantir a inclusão do trabalhador, como sujeito que integra a sociedade economicamente organizada e merece proteção.

Já em relação à função geradora de tributos, é certo que a empresa gera o pagamento de tributos, o que é fundamental para a manutenção do Estado. Neste aspecto, é inegável que a grande maioria dos tributos arrecadados advém, de forma direta ou indireta, da atividade econômica desenvolvida no país.

Por último, em relação à função de circulação ou produção de bens ou serviços, cumpre assinalar que esta busca atender a necessidade do consumo interno e viabilizar a exportação de nacionais. Desta maneira, o fomento da produção local é relevante para que se atenda à demanda de consumo interno.

  1. Conceito e Natureza da recuperação judicial

A recuperação judicial é um procedimento que tem por objetivo, de acordo com o art. 47 da Lei 11.101/05, viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Neste sentido, a recuperação judicial tem natureza de contrato judicial, onde a decisão do juiz é restrita tão somente ao acordo realizado entre os credores e os devedores. A concordância da maioria dos credores (de acordo com os quóruns de aprovação nos art. 58 e 45 da Lei 11.101/05) em relação à proposta apresentada pelo devedor é que será homologado pelo juiz.

  1. Quem pode pedir recuperação judicial?

Quem poderá requerer tal procedimento são àqueles que exercem atividade empresarial. Neste sentido, para fins legais, não exercem atividade empresarial os profissionais liberais, a sociedade simples (que são aquelas decorrentes da exploração de atividade intelectual, como sociedade de médicos, advogados, dentistas e etc.) e as cooperativas. Além disso, por lei, as instituições financeiras, as seguradoras e as operadoras de previdência privadas também não poderão requerer a recuperação judicial.

  1. Quais os requisitos para pedir recuperação judicial?

Em relação aos requisitos, é necessário que o empresário preencha os seguintes:

  1. a) exercer atividade empresarial de forma regular há mais de 02 (dois) anos, o que significa que a atividade deve ter sido registrada na junta comercial neste período, o que comprovará sua regularidade;
  2. b) Não ter sofrido falência, mas se tiver ocorrido, que possua declaração de extinção das obrigações;
  3. c) Não ter obtido a concessão da recuperação judicial nos últimos 05 (cinco) anos;
  4. d) Não ter sido condenado, o empresário individual, o sócio controlador, ou o administrador em crime falimentar.
  5. Como funciona o procedimento de recuperação judicial?

O devedor deverá ingressar com o pedido de recuperação judicial por meio de uma petição contendo, de acordo com o art. 51 da Lei 11.101/05, a exposição de sua situação patrimonial, explicando os motivos da crise econômico-financeira com as demonstrações contáveis de, no mínimo os últimos dois anos para as empresa com apenas esse tempo de vida empresarial, as demais com no mínimo três anos; a relação nominal dos credores e os vencimentos das obrigações; a relação de empregados com suas respectivas funções e salários; as relações das ações judiciais em trâmite, a relação de bens dos sócios controladores e administradores, extratos bancários, certidões de regularidade de atividade e dos cartórios de protestos.

Após a verificação dos documentos, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e nomeará um administrador judicial, ordenando a suspensão de todas as ações e execuções contra o devedor, com exceção das ações que demandarem quantia ilíquida, ações trabalhistas e ações de execução tributária.

A figura do administrador judicial deve ser um profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador ou contador; mas também poderá ser pessoa jurídica especializada. Em relação à remuneração do administrador, esta não poderá exceder 5% do valor dos créditos sujeitos à recuperação e 2% acaso se tratar de microempresa ou empresa de pequeno porte; quantia esta que somente será paga após o juiz declarar o encerramento recuperação judicial e quitação de todas as obrigações.

Contudo, é importante observar que o devedor continuará na gestão de seus bens; mas será fiscalizado e auxiliado pelo administrador judicial nomeado pelo juiz da recuperação judicial; com a finalidade de garantir que será cumprido integralmente o plano de recuperação judicial.

Após a decisão de deferimento da recuperação judicial, preenchidos todos os requisitos aqui tratados, o devedor terá o prazo de 60 (sessenta) dias para apresentar o plano de recuperação judicial, bem como a avaliação completa do ativo e do passivo.

Este plano deverá conter a discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a serem empregados, em resumo: a demonstração de sua viabilidade econômica, o laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado.

O devedor, assim, poderá apresentar qualquer proposta aos credores, que deverão aprovar tais propostas mediante assembléia geral dos credores, daí a natureza contratual da recuperação judicial.

A assembléia geral dos credores aprovará a proposta (de acordo com o quórum mínimo exigido em lei) e, diante disso, o juiz homologará a recuperação judicial.

Portanto, a recuperação judicial e o conseqüente cumprimento do plano de recuperação judicial irá ocorrer pelo período máximo de 02 (dois) anos, contados da decisão que concedeu a recuperação judicial e nomeou o administrador judicial.

Será neste período de recuperação judicial – salientando-se que a empresa continuará em atividade – que todas as obrigações da empresa recuperanda serão adimplidas, dando pleno cumprimento ao plano de recuperação judicial e atingindo o objetivo deste instituto, que é o da preservação da empresa em face de sua importância socioeconômica.

  1. Considerações finais

Portanto, o instituto da recuperação judicial foi criado pelo legislador para as empresas superarem o período de crise econômico-patrimonial e, apesar de pouco conhecido por grande parte do empresariado brasileiro, é fundamental para garantir a continuidade da atividade empresarial.

Em tempos de pandemia vivenciado pela crise da proliferação da Covid-19, tal instituto ganha certo protagonismo, como sendo a principal forma institucionalizada de garantir a superação os impactos gerados pela Pandemia e garantir a recuperação da saúde financeira das empresas, que são células fundamentais na economia potiguar.

Por último, entendemos que mesmo com o remédio jurídico à disposição do nosso ordenamento, vale o esforço de todos os atores da empresa e seus credores de se utilizar do bom senso e de se extrapolar os limites da tentativa de conciliar, evitando-se demandas jurídicas desnecessárias. A crise é ocular, não percebe quem não quer, portando o discernimento e a vontade de conciliar devem sempre prevalecer.

 

 

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