28 de janeiro de 2016

Artigo: O medo nosso de cada dia


Publicado em 27/01/2016 na Tribuna do Norte.

Henrique Baltazar
Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais de Natal

Raimundo Carlyle
Juiz de Direito da Quarta Vara Criminal de Natal
Temos a impressão de existir uma epidemia de criminalidade no Rio Grande do Norte, especialmente nas cidades de Natal e Mossoró! Além do mosquito da dengue/zika, sofremos diariamente com os crimes letais que banalizam a vida. O fato vem sendo confirmado por “rankings” divulgados pela Organização das Nações Unidas e por ONGs internacionais como a mexicana Conselho Cidadão para Segurança Pública, cujos dados foram referendados pela ONU em anos anteriores.
Ou seja, não existe uma mera “sensação de insegurança” potencializada pelas redes sociais. Lógico que a instantaneidade dos fatos divulgados nas redes nos amedronta pela proximidade deles com cada um de nós! E a maioria dos dados compilados dizem respeito tão somente aos crimes violentos letais contra a vida (homicídios etc.), quando sabemos que os crimes patrimoniais afetam muito mais o ânimo da população do que o assassinato de pessoas já portadoras de antecedentes criminais.
Além disso, nem todos podem desperdiçar seu tempo indo às delegacias de polícia registrar pequenos furtos, ou mesmo, assaltos com a subtração de bens de pequena monta, criando as denominadas “manchas cinzas” nas estatísticas oficiais. Resta à vítima apenas o medo, a aflição, a desolação, como consolo, e a aquisição de um novo bem como reparação do seu prejuízo.
Também parece existir uma onda de mortes de vítimas nos crimes patrimoniais, uma banalização da vida humana pelos delinquentes, que matam mesmo sem subtrair o bem ou depois de fazê-lo, ainda que a vítima não esboce qualquer reação!
Diante disso, e respeitadas as opiniões contrárias, indagamos:
– Qual foi o ponto de ruptura? Quando ocorreu a ruptura da criminalidade controlável para a sensação da falta de controle absoluto?
– Quem “pensa” as formas de combate à criminalidade nos órgãos de segurança pública? E como as estatísticas analisadas por tais órgãos são transformadas em estratégias e táticas de enfrentamento do problema?
– Por que a “inteligência” policial parece não funcionar, coibindo preventivamente assaltos aos bancos e explosões de caixas eletrônicos?
– Por que os bandidos não temem mais a polícia ostensiva?
– O crime organizado é comandado de dentro do falido sistema penitenciário?
– Existe efetivo controle, por monitoramento, das zonas com “manchas criminais”?
– Uma mudança na carga horária de trabalho da Polícia Militar (se a lei permitir) aumentaria o efetivo nas ruas?
– Por que a Polícia Civil não realiza um trabalho preventivo, efetivo e permanente de monitoramento das regiões com “manchas criminais”?
– O que verdadeiramente impede a reabertura das bases policiais comunitárias espalhadas pela cidade de Natal?
– Por que os grupos táticos móveis (ex.: Operação Elefante e GTO) de repressão ao crime não existem mais no interior do Estado?
– Existe soltura excessiva de presos em flagrante nas audiências de custódia? Os mesmos criminosos libertados voltam a delinquir, e nos mesmos locais? Qual a efetividade do controle do cumprimento das cautelares (ex.: comparecimento dos liberados ao juízo) impostas aos libertos? O Judiciário monitora a “reincidência” nas audiências de Custódia?
São indagações…
Algumas delas com respostas prontas!
Sim. O crime organizado também é comandado de dentro do sistema penitenciário, pois boa parte das chefias das organizações continua a exercer o comando dos seus sicários de dentro dos presídios, sendo bastante conferir os diversos processos abertos em razão da Operação Alcatraz, na Comarca de Nísia Floresta.
Sim. Uma mudança na carga horária de trabalho da Polícia Militar (se a lei o permitir) aumentaria o efetivo nas ruas sem dúvida, pois ninguém trabalha 24 horas direto, ainda mais quando trabalha nos 3 dias de descanso em “bicos” privados. Logo, ao menos um terço do tempo é gasto dormindo. Uma escala mais racional, de 12 x 36 horas, por exemplo, aumentaria muito o efetivo realmente trabalhando ostensivamente.
Sim. O percentual de soltura nas audiências de custódia é um pouco maior do que a manutenção das prisões, segundo estatística divulgada pelo Tribunal de Justiça do RN. E, segundo a polícia – sem precisar se os criminosos voltam à prática do crime nos mesmos locais e sem comprovar tal informação -, os mesmos presos libertados voltam a delinquir imediatamente depois de soltos.
Sim. Não existe qualquer efetividade no controle do cumprimento das cautelares (ex.: comparecimento dos libertados ao juízo) impostas aos libertos pelos juízes. Nenhuma medida é controlada, além daquela do comparecimento às audiências processuais, imposta pelo Código de Processo Penal.
Também para o combalido sistema penitenciário do Estado, apresentamos algumas propostas ao governo, sem notícias de que seriam atendidas. Elas passam, basicamente, pelo Estado reassumir o controle do sistema prisional. Algumas delas são exequíveis no curto, médio e longo prazo: 1) construção de pequenas unidades prisionais espalhadas pelo interior do Estado, além de pelo menos duas grandes (a de Ceará Mirim e mais alguma outra); 2) ter agentes penitenciários em número suficiente para controlar as unidades penitenciárias. Não se trata apenas de nomear/contratar novos agentes, mas de ter o controle sobre os atuais, pois há notícias que vários deles não trabalham ou simplesmente abandonam o serviço durante sua escala de trabalho, sem receber qualquer fiscalização ou punição; 3) fazer reformas estruturais nos presídios atuais (criando barreiras físicas internas e externas), resolvendo seus grandes problemas de segurança; 4) ter uma Corregedoria do Sistema Penitenciário, de verdade e que funcione; 5) auditar, investigar e processar administrativa e criminalmente os servidores públicos responsáveis ou facilitadores de fugas (medida complementar à proposta 4, mas que vai mais além, pois exige a participação da Sesed); 6) equipar o sistema com viaturas, armamentos e demais equipamentos necessários para a execução de um bom trabalho.
Não pretendemos exaurir o tema com as observações do cotidiano policial, penitenciário e judicial criminal acima expostas. À guisa de contribuição, decidimos divulgar nossa pequena análise para que o debate ganhe contornos próprios e apropriados, evitando a interseção de linhas cruzadas sem conteúdo crítico-construtivo.

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