Especialistas divergem sobre possibilidade da delação de Jonas Lopes ser anulada


Fonte: O Globo

Especialistas consultados pelo GLOBO divergiram quanto à possibilidade de rescisão do acordo de colaboração de Jonas Lopes, ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ). Na última quarta-feira, o juiz Eduardo Antonio Klausner, da 7ª Vara de Fazenda Pública, suspendeu o ato administrativo da aposentadoria dele. Consequentemente, foi suspenso o processo de eleição de um novo conselheiro para seu lugar.

De acordo com Thiago Bottino, professor de Direito Penal da FGV-Rio, a possibilidade de rescisão “sempre existe”. Lopes poderia utilizar o descumprimento de uma cláusula firmada com o Ministério Público (MP) como uma “carta na manga” e, assim, pedir o cancelamento do acordo. As provas fornecidas por ele teriam de ser descartadas, confome explicou Bottino.

— A anulação, inclusive, tem precedentes do Joesley (Batista, um dos donos da JBS), com o próprio Ministério Público, pedindo o cancelamento. Naquele caso, foi com base em descumprimento por parte do réu. Mas ele (Jonas Lopes) também poderia pedir isso, com base no descumprimento pelo MP — afirmou ele, que acrescentou:

— Existe o potencial de anulação, porque uma das cláusulas que previa a aposentadoria e manutenção dos proventos de aposentadoria não vai ser cumprida — disse ele, fazendo a ressalva: — Claro que, antes, precisaria de uma decisão definitiva do Judiciário, dizendo que ele não tem mesmo direito (ao benefício). Aí poderia falar: ‘Neste caso, o acordo está desfeito’.

Bottino enfatizou que, como o acordo seria desfeito por Lopes, o Ministério Público teria que descartar as provas oferecidas por ele. Isso porque teria sido o MP o culpado pelo rompimento. Se fosse o conselheiro que desse motivos para o trato ser desfeito, o MP poderia se valer das provas fornecidas — como aconteceu no caso de Joesley Batista.

— Jonas Lopes também forneceu provas. E essas provas não poderiam ser utilizadas (no caso de rompimento feito por ele). Se o acordo não vale mais, a outra parte não pode usar aquelas provas. Se quem deu parte para aquele rompimento fosse ele (Jonas Lopes), o MP ficaria com as provas, e ele, sem os benefícios — concluiu.

ESPECIALISTA QUESTIONA SUSPENSÃO DE APOSENTADORIA

Doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP, Erick Wilson Pereira questionou ainda a possibilidade de a aposentadoria de Jonas Lopes ser suspensa. Para o especialista, mesmo que o ex-presidente do TCE-RJ seja condenado em alguma ação penal, ele teria direito de receber os vencimentos, porque se trataria de uma contribuição legal feita durante a carreira.

— Independentemente de ter ou não a vaga de conselheiro, ela é irrelevante para uma discussão previdenciária. É possível o juiz cassar a aposentadoria? Não, não é. O crime que (eventualmente) cometeu não contamina o recolhimento (previdenciário). Pode ter cometido vários crimes, e aí vai ter pena de reclusão, de suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, vai ser impedido de contratar com o poder público… Tudo isso — disse ele.

De acordo com Pereira, caso seja negada a aposentadoria a Jonas Lopes, o Estado estaria se apropriando ilegalmente de um recolhimento lícito. Por isso, para não incorrer em crime, o Estado teria de devolver os valores recolhidos ou manter o pagamento. Caso contrário, Lopes poderia pedir o cancelamento da delação.

— Sobre esse período que contribuiu: ou ele usufrui ou o estado devolve (o dinheiro). Porque, se não for isso, é enriquecimento ilícito do Estado. Ele tem direito a essa contribuição por duas modalidades: ou devolução ou exercendo a aposentadoria que o magistrado suspendeu. O Estado não pode ficar com uma contribuição legal — disse Pereira, concordando com Bottino:

— (Se ficar), aí ele pode pedir. Ainda pode pedir mais além, inclusive com afetação na prova que apresentou.

PROFESSOR NÃO VÊ POSSIBILIDADE DE ANULAÇÃO

Já o professor de Direito Constitucional da FGV-SP, Rubens Glezer, não enxergou risco de rompimento da delação. Ele, Bottino e Pereira concordaram que o ex-conselheiro não descumpriu o acordo. No entanto, Glezer não acredita que o descumprimento do benefício ao delator possa invalidar o que foi investigado até agora.

— A delação só pode ser anulada se ela foi descumprida de alguma maneira depois de homologada. Descumprida nos próprios termos ou se os dados que foram prometidos não deram retorno substantivo para as investigações. Se não tem nenhuma dessas condições, o fato de ele conseguir se aposentar ou não me parece algo externo — disse ele, respondendo em sequência sobre a chance de Lopes pedir a anulação do trato:

— O cancelamento da delação não invalida as provas. Acho que é indiferente (ele pedir para anular). Uma vez que são dadas as informações, as investigações feitas a partir delas são lícitas. Acho que está fora do poder dele. O poder de barganha é todo anterior à entrega das informações.

Em sua análise, Glezer disse não acreditar que Jonas Lopes possa, de alguma forma, invalidar o que já foi feito:

— Como está desenhado, não vejo capacidade do delator de tirar a validade da delação.

TCE RECORREU DE DECISÃO

Na última quinta-feira, conforme o GLOBO mostrou, o TCE entrou com um ação na Justiça para reverter a decisão que revogou o ato administrativo da aposentadoria de Jonas Lopese, consequentemente, suspendeu a eleição para preencher a vaga deixada por ele.

O auditor Rodrigo Nascimento, indicado pelo governador Luiz Fernando Pezão, foi aprovado por uma das comissões da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), e sua indicação seria votada na próxima quinta-feira pelo plenário da Casa.

No despacho que suspendeu a aposentadoria, que alcança R$ 30 mil, o juiz Eduardo Antonio Klausner afirma que o benefício a Jonas Lopes é impróprio, porque o ex-conselheiro é réu na Operação O Quinto do Ouro, desdobramento da Lava-Jato no Rio.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *