14 de novembro de 2020

A história de coragem de Alzira Soriano, a primeira prefeita eleita no Brasil


A bióloga e líder feminista paulistana Bertha Lutz tinha uma missão a cumprir quando pisou no Rio Grande do Norte para uma visita, no início de 1928. O estado havia se tornado o primeiro do país a garantir que mulheres pudessem votar e receber votos. Lutz estava lá para encontrar o então governador potiguar, Juvenal Lamartine. Queria se certificar de que haveria, de fato, candidaturas femininas na eleições municipais daquele ano. Ela sabia que seria difícil encorajar mulheres a se aventurar na política, um universo ainda mais misógino e machista do que é hoje. Mas Lamartine tinha em mente um nome perfeito para o serviço.
Bastou um almoço para Lutz entender quem era Alzira Soriano. Filha do coronel Miguel de Vasconcellos e de Margarida de Vasconcellos, ela sempre foi uma sobrevivente. Os três irmãos que nasceram antes morreram com meses de vida. Dos 22 filhos do casal, apenas oito passaram de 2 anos de idade (a maoiria sucumbiu a doenças da infância). Aos 17 anos, Alzira se casou com o promotor Tomás Soriano, que morreu em janero de 1918, de gripe espanhola, deixando a mulher de 22 anos viúva e mãe de três crianças. De volta à Fazenda Primavera, como eram chamadas as terras da família, em Jardim de Angicos, a 120km de Natal, ela passou a cuidar da contabilidade, do gado e da lavoura.
Também não era estranha à vida política. De acordo com a monografia “A primeira prefeita brasileira”, de Isabel Engler, da Faculdade de História da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Alzira Trabalhou na campanha do pai, que havia sido prefeito de Jardim de Angicos de 1914 a 1917, e estava informada sobre as conquistas femininas na área. Celebrou quando a professora Celina Guimarães Viana, de Mossoró, no mesmo Rio Grande do Norte, registrou-se como a primeira eleitora do país, em novembro de 1927. No início de 1928, aos 32 anos de idade, Alzira também queria um papel nessa luta por civilidade.

No almoço arranjado por Lamartine e o coronel Vasconcellos na Fazenda Primavera, a sufragista Bertha Lutz ficou convencida antes da sobremesa. Em 1928, Jardim de Angicos tinha virado distrito de Lajes, que escolheria um novo prefeito em setembro daquele ano. Alzira Soriano se jogou na campanha, mas foi recebida com pedras. Mesmo sendo filha de coronel e viúva de promotor, mesmo com apoio do governador e mesmo sendo mãe e administradora de terras, ela foi xingada de todas aquelas ofensas que o machismo sempre criou. Diziam, entre outras coisas, que ela tinha um caso com o governador e que por isso este a apoiava.
A potiguar foi eleita com 60% dos votos. No site da Biblioteca Nacional, pode-se ler uma entrevista com a primeira prefeita do Brasil, publicada pelo jornal carioca “O Paiz”, em 2 de outubro de 1928, no espaço reservado à Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), fundada por Bertha Lutz em 1922. “Estive sempre ao lado do meu pai, nos momentos mais difíceis, intervindo com segurança e altivez. Assim, a política é um mecanismo que conheço peça por peça e que se adapta perfeitamente ao meu temperamento. Sempre tem sido uma das minhas maiores aspirações na vida política”, diz ela.

“Sofri o pior golpe que uma criatura pode experimentar. Aos quatro anos e onze meses de casada, perdi meu esposo ficando com três filhinhas. Ainda hoje enluta-me o coração. Entretanto, com estoicismo e confiança em Deus e nas minhas próprias energias, tendo vindo até hoje trabalhando e educando os três entes que são a maior fortuna de minha existência. A luta é prazer para os fortes. Por isso tenho vencido e hei de vencê-lo, a mulher pode ser mãe e esposa amantíssima e oferecer, ao mesmo tempo, à pátria uma boa parcela de suas energias físicas e morais”.
Soriano tomou posse no dia 1 de janeiro de 1929, assumindo um gabinete todo composto por homens, à exceção dela. “Assim, neste ambiente de liberdade e trabalho, de patriotismo e de tolerância, tornou-se em realidade o nosso sonho de igualdade política. A prova eloquente de reconstrução político-social, caracteriza-se pela minha eleição ao posto de prefeita deste município”, discursou ela. Segundo os poucos registros sobre o tema, seu governo abriu estradas, ergueu escolas e implantou a iluminação pública a vapor. Mas a gestão não durou muito.
Após a Revolução de 1930, comandada por Getúlio Vargas em outubro, colocando fim à chamada República Velha, a primeira prefeita do Brasil, que era da oposição e havia apoiado a campanha de Júlio Prestes à Presidência da República, renunciou ao cargo. Segundo a biografia “Luiza Alzira Teixeira de Vasconcelos primeira mulher eleita prefeita na América do Sul”, lançada pela museóloga Heloísa Maria Galvão Pinheiro em 1993, a potiguar se mudou para Natal, onde ficou até 1947, quando o pai faleceu e ela voltou para cuidar das terras. Ainda seria eleita vereadora de Lajes três vezes, antes de morrer de câncer, em 1963.

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