29 de outubro de 2019

Congresso reúne Escolas Judiciais do Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco


Um panorama da Justiça do Trabalho no mundo e, especificamente, nos Estados Unidos, China e Cabo Verde foram os temas das quatro palestras proferidas no 3º Congresso Internacional da Escolas Judiciais da Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte.

O evento é promovido pela Escola Judicial do Tribunal do Trabalho da 13ª Região (PB), em parceria com as escolas da 6ª Região (Pernambuco) e da 21ª Região (Rio Grande do Norte).

O presidente do TRT-RN, desembargador Bento Herculano Duarte Neto, participou da abertura do congresso, ao lado dos dirigentes dos TRTs da Paraíba e de Pernambuco.

Domínio da China

O primeiro conferencista foi o advogado e professor universitário, Igor de Lucena Mascarenhas, que abordou o tema “Direito do Trabalho em Cabo Verde”.

O palestrante apresentou o país, localizado na costa africana, que vive basicamente de doações internacionais, transportes, turismo ecológico e, sobretudo, serviços. Sobre a realidade laboral em Cabo Verde, o professor destacou os conflitos entre cabo-verdianos e não cabo-verdianos.

“Grupos econômicos chineses estão investindo fortemente no país e os direitos dos trabalhadores que vem da China, por exemplo, são distintos dos empregados no país africano e isso tem causado muitos conflitos”.

Não é invenção brasileira

A “Justiça do Trabalho no Mundo” foi o tema da palestra do professor de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutor em Ciências Humanas, Rodrigo de Lacerda Carelli, falando sobre os mitos em torno da Justiça do Trabalho.

Rechaçando a ideia de que a Justiça do Trabalho é uma invenção brasileira, o professor assegurou que a JT é uma instituição que está presente nos cinco continentes e tem mais de 200 anos de história.

Rodrigo Carelli apresentou casos julgados em países europeus demonstrando como a racionalidade do espírito da Justiça do Trabalho é parecido em todo o mundo.

“A Justiça do Trabalho tem tudo a ver com a democracia”, disse, acrescentando que a comparação da Justiça do Trabalho com a jaboticaba e mais uma falácia e falta de conhecimento. A comparação é feita para apontar que a jaboticaba, assim como a JT, só existe no Brasil. “Um dos grandes produtores da fruta no mundo são os Estados Unidos”, finalizou.

Direito do Trabalho é forte nos EUA

O procurador do Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro e doutor pela Universidade Federal Fluminense, Cássio Luís Casagrande, apresentou o tema “Direito do Trabalho nos Estados Unidos ” Direito Americano.

“O Direito do Trabalho é filho do capitalismo”, destacou o professor, que falou sobre os mitos amplamente debatidos antes da aprovação da reforma trabalhista.

“As pessoas que fomentava essas ideias diziam que o Brasil deveria, de alguma forma, se aproximar do modelo de relações laborais dos Estados Unidos. Segundo os defensores dessas `teses” as leis trabalhistas seriam mais flexíveis e com um baixo grau de litigância laboral. O fato é que estas alegações foram deturpadas porque nos EUA há sim uma jurisdição trabalhista e com um grande volume de processos. Tanto os estados quanto a União julgam ações trabalhistas, especialmente porque a legislação trabalhista americana é concorrente”, explicou.

Casagrande também comparou as indenizações por danos morais, que são baixas no Brasil, em relação aos Estados Unidos.

“No EUA, um gerente simulou um assalto a empresa, contratando atores, para ver se os empregados estavam preparados. Tanto nos Estados Unidos, quanto no Brasil, uma mulher desmaiou e acionou a Justiça. Aqui a indenização foi de R$ 5 mil e na América passou dos U$ 300 mil”, detalhou.

A juíza aposentada do Tribunal do Trabalho do Rio Grande do Sul (4ª Região), Antônia Mara Vieira Loguercio, abordou a “Estrutura e Procedimentos para a Resolução de Conflitos Trabalhistas na China”.

A magistrada fez um profundo estudo sobre as leis trabalhistas na China e apresentou casos concretos de trabalhadores que buscam seus direitos via ações judiciais. “A lei trabalhista na China é avançada”, disse.

O tema a “A Justiça do Trabalho na França”, foi apresentado por Jorge Cavalcanti Boucinhas, professor da Fundação Getúlio Vargas, que destacou as similaridades entre as justiças trabalhistas francesa e brasileira.

“O número de recursos em decisões de primeira instância na França, assim como no Brasil, é alto. Outro aspecto é que nos dois países o número de processos novos diminuiu”, disse o professor apontando que os prazos de julgamento de processos trabalhistas no Brasil são bem menores do que na França.

“Quero externar a minha indignação sobre as afirmações que ouvimos até mesmo de autoridades de que a Justiça do Trabalho só existe no Brasil. É um absurdo”, considerou Boucinhas.

Qual o futuro da Justiça do Trabalho no Brasil?

Um painel reunindo o diretor da Escola Judicial do TRT do Rio Grande do Norte, desembargador Eridson Medeiros e o juiz do Trabalho do TRT21, Luciano Athayde Chaves, discutiu a “Especialização do órgão judicial e eficiência”, enquanto a professora-associada da UFRN, Yara Maria Pereira Gurgel, tratou do tema “Controle de convencionalidade na reforma trabalhista”.

Por último, o desembargador presidente do TRT da 21ª Região, Bento Herculano Duarte Neto, falou sobre “A nova reforma sindical e trabalhista”.

O juiz Luciano Athayde, considerou a especialização da justiça como tendência mundial e defendeu que a Justiça do Trabalho poderia “se vocacionar para outros temas”.

Por fim, Luciano Athayde provocou a platéia: “Qual o futuro da Justiça do Trabalho? Varas do Trabalho especialistas em acidentes de trabalho, em Execução Fiscal? E o aumento de competência com matéria acidentária?”.

O desembargador Bento Herculano Duarte Neto criticou vários pontos da reforma trabalhista, condenando quem defendeu que a reforma geraria empregos. “Quem gera empregos é o crescimento econômico. O ser humano não pode perder jamais o sentido de que o trabalho implica em dignidade”.

Tribunal do Trabalho na Escócia

Uma jornada de saber pelo mundo para um conhecimento mais profundo sobre o funcionamento da Justiça do Trabalho em diversos países.

Esse foi o eixo do 3º Congresso Internacional das Escolas Judiciais trabalhistas (EJuds) que foi encerrado nesta sexta-feira em João Pessoa.

O segundo e último dia de atividades do congresso começou com o painel apresentado pelo professor-associado da USP e advogado, Estêvão Mallet; pelo desembargador do TRT da 6ª Região e coordenador científico e diretor da Esmatra, Sérgio Torres Teixeira, e pela juíza titular da 14ª Vara do Trabalho do Recife, Roberta Corrêa de Araújo.

Os trabalhos foram coordenados pelo juiz titular da 2ª Vara do Trabalho de Goiana (Pernambuco), Virgínio Henriques de Sá e Benevides.

O magistrado ressaltou que “os temas são novos mas que certamente a EJud13 acertou na escolha dos palestrantes pelo perfeito domínio da temática, que nos faz repensar o nosso direito do trabalho”.

Ideia da hipossuficiência

O professor-associado da USP e advogado Estêvão Mallet discorreu o tema “A arbitrabilidade de dissídios individuais trabalhistas”.

Mallet fez uma abordagem em torno da interpretação do dispositivo 507A, da CLT, introduzido pela lei 13.467.

Para ele, o Direito do Trabalho surgiu em torno da ideia da hipossuficiência do trabalhador, que é uma ideia importante, um valor fundamental mas não é uma verdade.

Evolução tecnológica

“A Justiça do Trabalho e a vingança dos nerds: sociedade digital, inteligência artificial e as consequências dos processos disruptivos para profissionais do Direito”, tema da palestra de Sérgio Torres Teixeira.

O desembargador do TRT de Pernambuco (6ª Região) e coordenador científico e diretor da Esmatra atraiu a atenção dos participantes com a ideia da evolução tecnológica e seus impactos na área do serviço público, mais precisamente dentro do próprio judiciário. Questionou sobre “como o uso da inteligência artificial vai afetar nossa forma de atuação e que em brevíssimo tempo não veremos mais nenhum ser humano”.

Sergio Teixeira contou que tem observado a pouca presença do ser humano em muitas funções e muitas que existem hoje não existirão em muito pouco tempo.

“Estamos em um sistema contínuo de processos disruptivos cujo símbolo maior é o da empresa Kodak, que não viu esse processo em curso, no início da década de 90 quando vendia bilhões de fitas cassetes e filmes em película e entrou em falência em 1998”, relembrou.

Inteligência artificial

O painelista acredita que a profissão do advogado é o próximo alvo da inteligência artificial e que uma coisa é certa: não tem como impedir o avança tecnológico.

“Precisamos aprender a conviver com nerds e não enfrentá-los. No entanto, a sobrevivência será de quem tiver maior capacidade de adaptação às mudanças, que naturalmente ocorrerão”.

Para avaliar este cenário, Sérgio Teixeira disse que normalmente são utilizados critérios QI e QE que são o quociente de inteligência e quociente emocional das pessoas. além do QA que é o quociente de adaptabilidade.

“O fator QA mede a capacidade das pessoas de se adaptarem em cenários diferentes e em qualquer situação. Esta adaptação tem que ser dinâmica em virtude da velocidade dos processos disruptivos que estamos tendo”. Uma vantagem é que o QA não é fixo, o indivíduo pode evoluir este fator.

“Nosso maior erro é entender que a inteligência artificial é nossa inimiga”.

O conselho do professor veio com o ensinamento de que é preciso entender que “o avança tecnológico deve ser aproveitado para nos aperfeiçoar, para auxiliar e tornar a execução dos nossos trabalhos cada vez mais eficiente. Se for possível, apagar tudo e reaprender a utilizar o que se tem a nosso favor e assegurar a nossa sobrevivência e evolução”, finalizou.

Teia de transformações

A juíza titular da 14ª Vara do Trabalho do Recife e doutora em Direito, Roberta Corrêa de Araújo apresentou um trabalho sobre a “A Uberização do Trabalho e a subordinação jurídica disruptiva”.

Segundo a magistrada, não é possível refletir sobre um tema atual e complexo sem compreender que dificuldade da teia de transformações que o mundo do trabalho tem vivenciado desde a virada do século.

“Não há como assimilar corretamente se não tivermos como desvendá-lo a partir de uma perspectiva histórico dialética que nos situe no conjunto mais amplo das grandes transformações que tem vivenciado o próprio sistema capitalista contemporâneo”, frisou.

A juíza disse que é verdade que a realidade social passou a demandar uma nova postura e uma nova finalidade para o Estado. Mas acrescentou que se é verdade que o direito do trabalho deve se renovar e se atualizar para dar respostas às novas mudanças também é verdade que os valores e princípios de proteção ao trabalho devem ser aperfeiçoados e não alijados ou desprezados.

Vagas para juiz na Escócia

A presidente dos Tribunais de Emprego de Edimburgo (Escócia), Shona Margaret Wilson Simon, encerrou Congresso Internacional das Escolas Judiciais falando sobre o tema “Tribunais do Trabalho na Escócia: funcionamento, competência, aplicação da legislação da Comunidade Europeia e impactos do Brexit”.

Shona Margaret comparou, não apenas os judiciários brasileiro e escocês-britânico, mas especificamente a justiça do trabalho de ambos.

“Têm grande semelhança. Se um juiz do trabalho do Brasil for passar cinco anos trabalhando na Escócia, se sentiria muito confortável pelos muitos pontos em comum em relação a legislação e o sistema de funcionamento também da Justiça do Trabalho. A Escócia está com 16 vagas para juiz do trabalho em aberto, algum de vocês topa ir para lá”, brincou.

A conferencista mencionou que normalmente, no Brasil ainda se pensa em salário igual para as mesmas funções. Nesse ponto, disse, a Escócia avançou e já está reconhecendo salário igual mesmo quando a função ou emprego é diferente, mas se equiparam.

Formação

As Escolas Judiciais dos Tribunais do Trabalho de Pernambuco (6ª Região), da Paraíba (13ª Região) e do Rio Grande do Norte (21ª Região) têm como objetivo a formação, treinamento, aperfeiçoamento, desenvolvimento e capacitação dos magistrados e servidores da Justiça do Trabalho destes estados.

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