18 de julho de 2016

Bye bye, Brasil: cresce aposta em ‘cidadania estrangeira’


Um grupo de 294 brasileiros investiu ao menos R$ 800 milhões em Portugal, Estados Unidos, Reino Unido e Austrália nos últimos anos em troca de autorização permanente de moradia, com direito a levar a família. Os programas de golden visas (vistos dourados) surgiram ou ganharam relevância com a crise do mundo desenvolvido, a partir de 2008, e foram favorecidos pela multiplicação de ricaços em nações emergentes como China e Rússia. No caso do Brasil, a própria crise doméstica, muitas vezes, serve de empurrão para quem já alimentava o sonho de imigrar em busca de segurança e oportunidades para os filhos.

No programa EB-5 americano, 136 brasileiros já obtiveram o green card (visto permanente que não configura cidadania) entre 2009 e 2015 em troca de US$ 500 mil em investimentos que geram emprego, segundo dados do Departamento de Imigração e do consulado do país no Rio. No ano passado, foram 23 pedidos contra 16 em 2014. Os órgãos não divulgaram dados referentes a este ano. Em Portugal, até agora já foram 123 autorizações, em um total de € 110 milhões aplicados. No Reino Unido, 30 brasileiros investiram ao menos 1 milhão de libras em troca de autorização para morar no país desde 2008. Na Austrália, foram cinco, segundo o Departamento de Imigração, sem incluir cônjuges e filhos, que podem, sob algumas condições, receber o visto.

— Famílias ricas do Brasil estão frustradas e incomodadas com a corrupção e a falta de segurança, a violência e a instabilidade política e econômica. Elas buscam soluções em outros países onde seus filhos podem viver com segurança e receber educação de qualidade — disse Roger Bernstein, advogado de imigração e sócio da Bernstein Osberg-Braun.

Nos últimos três anos, o número de clientes brasileiros do escritório americano Colombo & Hurd, especializado em imigração, subiu 400%, afirmou o advogado Carlos Colombo.

Se o futebol não tem proporcionado alegria aos brasileiros nos últimos tempos, nos EUA, ele tem sido visto como porta de entrada. Um dos projetos de EB-5 é o do estádio do Orlando City, clube em que Kaká joga e que tem como um dos sócios o self-made man brasileiro Flávio Augusto da Silva, que fez fortuna vendendo a rede de cursos de inglês Wise Up.

O estádio deve ser inaugurado em 2017 e terá quase US$ 50 milhões do orçamento de US$ 156 milhões financiados por investidores do EB-5. Segundo Gonzalo Lopez Jordan, advogado que faz a intermediação entre projeto e investidores, das 99 “vagas” para imigrantes na construção, 35 foram preenchidas e outras 30 estão no meio do processo de investimento. Cerca de 80% dos interessados são brasileiros.

— A estratégia de atrair brasileiros sempre existiu, considerando a presença de brasileiros em Orlando, o fato de o Flávio ser um dos donos e nosso enorme número de torcedores no Brasil. Temos 600 mil fãs aí, e chegamos até a abrir um processo de sócio torcedor para brasileiros — explicou Alexandre Leitão, diretor executivo do Orlando City.

HISTÓRICO DE INSEGURANÇA

O empresário Fabricio Bossle é um dos que ajudam a erguer o estádio. Foi uma experiência traumática que o levou a buscar uma forma de se mudar de vez para Orlando, onde já mantinha casa de férias. Em 2014, sua família foi cercada por cinco homens armados na volta da praia, numa estrada próxima a Bertioga (SP). Por sorte, o carro era blindado e a família escapou ilesa.

— Não se trata de fuga. Estamos tentando deixar para trás a sensação de impotência de nossa vida no Brasil — disse, de Orlando, onde mora com visto de estudante enquanto cursa um MBA e espera obter o EB-5.

A corretora de imóveis Ana Flávia Brugnara, de 46 anos, decidiu há um ano fazer as malas. Seu marido, executivo de uma empresa de ônibus carioca, acabara de ser desligado da gerência com o enxugamento do quadro decidido pelos sócios. Em paralelo, o mercado imobiliário de alto padrão, seu foco profissional, estagnava-se com a crise. O casal resolveu vender a cobertura de R$ 3,5 milhões em que morava no Jardim Oceânico, Barra da Tijuca, e usar o dinheiro para conseguir o green card. Ana Flávia aguarda a conclusão do processo, mas mora em Boca Raton, com visto de estudante (o marido está estudando inglês):

— Tenho uma filha de 5 anos, e ela estuda numa excelente escola pública, de graça. No Rio, pagava até R$ 5 mil de mensalidade. Morar aqui é uma forma de ter maior qualidade de vida por um custo mais baixo.

Obter um green card de investidor, porém, é um processo burocrático, que exige extensa documentação, relativamente demorado e com custos que vão além do aporte mínimo de US$ 500 mil, adverte Ilka Komatsu, diretora de Relacionamento da LCR Capital Partner, empresa especializada no segmento. Mesmo assim, o empresário Daniel Zibenberg está vendendo ativos no ramo imobiliário e cogita abrir mão de uma empresa de distribuição de alimentos.

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