02 de fevereiro de 2018

Após empate no STF, regra da Anvisa que proíbe cigarros com sabor passa a valer


O julgamento do Supremo Tribunal Federal que discutiu a validade de resolução editada pela Anvisa que proibiu o cigarro com sabor terminou empatado em 5 votos a 5 nesta quinta-feira (1/2). Com isso, a liminar da ministra Rosa Weber concedida em 2013 suspendendo a norma perde a validade e, na prática, o veto aos aditivos passa a valer.

Como não houve entendimento firmado pelo plenário, as fabricantes ainda poderão recorrer nas instâncias inferiores da Justiça para garantir a liberação dos aditivos por meio de decisões individuais.

A Constituição estabelece o quorum mínimo de seis ministros para que uma lei ou ato normativo do poder público seja declarado inconstitucional. O ministro Luís Roberto Barroso estava impedido de analisar o caso porque assinou parecer, sobre a questão, antes de chegar à Corte, a partir de consulta formulada por Sinditabaco — Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco.

Na sessão, os ministros ficaram divididos sobre se a resolução representou ou não invasão de competência por parte da agência reguladora. Após mais de três horas de debate, cinco ministros (Rosa Weber, Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Cármen Lúcia) consideraram que a Anvisa é competente para proibir aditivos em derivados fumígenos de tabaco. Outros cinco (Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Marco Aurélio) entenderam que a Anvisa não tem essa atribuição e que a agência extrapolou seu poder, invadindo competência do Congresso. Com isso, na prática, a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 14/2012 da Anvisa segue valendo.

Além da questão do cigarro em si, a discussão também se deu em torno do limite de atuação das agências reguladoras. A relatora do caso, ministra Rosa Weber, defendeu que regulamentar cigarro com aroma é uma questão estritamente técnica: “A atuação normativa se acomoda adequadamente no propósito da lei de fazer o controle do tabaco e promover a saúde sem proibir comercialização de produto lícito”.

Em setembro de 2013, a magistrada havia decidido suspender, por meio de liminar, a resolução da Anvisa. Na época, Rosa Weber considerou que a proibição representava “perigo imediato do fechamento de fábricas e da demissão em massa de trabalhadores”. Com o julgamento, a liminar de Rosa Weber deixa de ter validade.

Ela destacou que a resolução foi editada com base em “considerações técnicas baseadas em robusta evidência científica”. A magistrada citou teses de juristas sobre a importância de as agências reguladoras terem independência para atuar em suas áreas. Sem esse poder, argumentou, as agências se tornariam inócuas. No entanto, ponderou que a liberdade de ação e a discricionariedade normativa das agências encontra limites nos objetivos fixados na lei.

Segundo a votar, o ministro Alexandre de Moraes abriu a divergência em relação à relatora afirmando que a Anvisa extrapolou sua área de atuação ao editar esta norma. O magistrado sustentou que a liberdade dada às agências não as dispensa de respeitar o princípio da legalidade. “A meu ver, houve desrespeito ao princípio da legalidade e à centralização política governamental do Congresso Nacional. A Anvisa desrespeitou o modelo criado na Constituição”, criticou.

Segundo Moraes, em nenhum momento a legislação de criação da Anvisa lhe deu um cheque em branco nem permitiu que o órgão proibisse qualquer produto derivado do tabaco.

Já Fachin concordou com a relatora e defendeu que os padrões constitucionais de legalidade infraconstitucional foram cumpridos pela agência reguladora: “Esta forma de cumprimento se deu nos termos da legislação”.

O decano Celso de Mello também entendeu que a Anvisa atuou dentro de seu campo de atuação e defendeu a necessidade de se dar autonomia para órgãos desta natureza. “Caso contrário, vira uma inútil repetição de modelo normativo do que está na lei. É preciso respeitar espaço decisório das agências”, afirmou.

Para Ricardo Lewandowski, o cigarro é um problema de saúde pública e a Anvisa agiu dentro de sua área de atuação ao tentar evitar a expansão do consumo do tabaco. O magistrado citou um levantamento do Instituto Nacional do Câncer que indicou que o Brasil gasta R$ 56,9 bilhões por ano devido ao tabagismo, parte com despesa médica e o restante com a perda de produtividade ligada à incapacitação ou morte prematura de trabalhadores

Fux, no entanto, foi no sentido contrário e sustentou que nenhuma lei proíbe a substância vedada pela Anvisa. Dias Toffoli também seguiu esta linha e resumiu o debate que estava em curso no STF. “Fica claro que a divergência posta não existe em relação ao poder regulamentar da Anvisa. A divergência que se abre é quanto ao extrapolamento ou não dessa atuação, quanto à abrangência, ao excesso ou não desse poder regulamentar”, disse.

O ministro Gilmar Mendes foi incisivo em criticar a posição dos colegas favoráveis à norma da Anvisa. Ele fez uma analogia com o programa de televisão em que uma babá é rígida ao criar algumas crianças. “Não é ser supernany é respeitar a liberdade das pessoas de escolha, provendo informações para que as pessoas tomem suas decisões. Morrer todos vamos morrer”, disse.

O magistrado afirmou que o Supremo ainda deverá retomar o assunto sobre as agências reguladoras. “Vamos continuar discutindo esse tema tendo em vista a relevância dessa agência e o protagonismo delas em relação a isso. Não se trata de dizer elas querem fazer o bem, e a gente reconhece isso. Mas tem de fazer o bem dentro do devido processo legal, essa é a missão dos órgãos públicos. Não é só fazer o bem. Podem alegar que ‘ela tem boa intenção’. Mas dizem que boa intenção pavimenta caminho do inferno”, comentou.

Marco Aurélio também acompanhou a divergência: “Não se admite que a Anvisa tenha poder de normatizar de forma abstrata e autônoma. Não tem para mim enquanto estiver em vigor a Constituição”, frisou. E ele alertou para o que considera um exagero das agências reguladoras: “Quem sabe se proíbe até o bombom recheado com licor”.

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