11 de agosto de 2015

A moral é também substrato profissional do advogado


Por Erick Wilson Pereira*

Dia 11 de agosto, dia do advogado. Profissional em destaque nesse tempo instável de muitas investigações, intimidações, delações, prisões e teorias de conspiração.

Houve época em que as bandeiras cívicas de lutas e de defesa da sociedade associadas ao advogado e suas instituições elevaram a categoria a baluarte nas lutas pela salvaguarda dos direitos e garantias do povo. Tal passado implicou um grande fardo atual de responsabilidades.

A figura do advogado, especialmente o criminalista, fundiu-se a do defensor dos acusados de corrupção, desvios de verbas públicas, chantagem e toda sorte de delitos que ora envolvem expoentes do empresariado e do Legislativo. De defensor do estado democrático de direito, da cidadania e da paz social, passou a ser alvo das pechas de mercenário, ardiloso, cúmplice da clientela, defensor de interesses escusos.

Com sua imagem pública confundida com a de seus clientes, os advogados têm atraído a desconfiança, a incompreensão e a ira de parcela da sociedade e até de investigadores. Há inclusive uma defensora transformada em investigada, uma vez convocada para explicar inclusive a origem dos seus honorários por serviços prestados a clientes. Ossos injustos do ofício. Pois na cotidiana defesa de suas prerrogativas, talvez mais que qualquer profissional, o advogado está sujeito a dilemas de natureza ética e política que impõem a urgência do enfrentamento.

Foi com o propósito de defender as prerrogativas inerentes à advocacia, especialmente a inviolabilidade do sigilo profissional, que o presidente da OAB, Marcus Vinicius, impetrou habeas corpus, cujo pedido foi exemplarmente concedido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski. A advogada foi desobrigada do comparecimento à CPI da Petrobras para prestar quaisquer esclarecimentos a respeito de questões relacionadas a fatos conhecidos em razão do exercício profissional, bem como teve preservada a confidencialidade da relação cliente-advogado, inclusive quanto a origem dos honorários, em prol do resguardo do sigilo profissional dos advogados e do direito de defesa.

Na guarda da imunidade profissional, com o propósito de que o advogado possa exercer seu múnus público de forma digna e ampla, a decisão paradigmática foi prolatada, pois “para se preservar a higidez do devido processo legal, e, em especial, o equilíbrio constitucional entre o Estado-acusador e a defesa, é inadmissível que autoridades com poderes investigativos desbordem de suas atribuições para transformar defensores em investigados, subvertendo a ordem jurídica. São, pois, ilegais quaisquer incursões investigativas sobre a origem de honorários advocatícios, quando, no exercício regular da profissão, houver efetiva prestação do serviço” (ministro RicardoLewandowski).

Por mais louvável que seja, o combate à corrupção não pode vir maculado pela violação de normas constitucionais e infraconstitucionais e dos princípios do contraditório e da ampla defesa. O advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos no exercício da profissão.

Apesar dos percalços, às vezes com muito custo enfrentados, ainda é comovente testemunhar nos jovens profissionais a ousadia, o ardor incutido nos objetivos e convicções, a chama idealista. Mais ainda quando, já velhos, tais traços persistem e se mesclam à experiência e à persistência em ser voz ativa em cenários dialógicos conturbados, a exemplo do que ora vivemos.

Mas é preciso ter em conta que nem sempre os dilemas e conflitos que permeiam as grandes causas são subjugados pelos escrúpulos da consciência e pelo respeito à profissão. E reputações e carreiras brilhantes são destruídas em razão de escolhas que sacrificaram as normas e desbordaram as fronteiras que separam o legal, o ético e o justo do ilícito, do amoral e do antiético.

O tema não é banal. Basta lembrar que, dentre as formas de comportamento humano, a jurídica é a que guarda maior intimidade com a moral — tanto normas jurídicas quanto morais são imperativas e preordenadas à garantia da coesão social. Assim, se é certo que a função maior do advogado é defender o cliente, não é certo que tal defesa deva se processar a qualquer custo. A moral, mais que competência ou talento, é também substrato profissional.

Há é que aceitar e ficar atento aos limites, resistir às intempéries, domar a vaidade e os demônios da consciência em prol do resgate do respeito e do prestígio que a profissão está a merecer, em homenagem aos princípios basilares do seu estatuto, das suas prerrogativas.

* Erick Wilson Pereira é advogado, doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP.

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